quarta-feira, 20 de maio de 2020

Sexagésimo Primeiro Dia em Isolamento

Tem algumas coisas que eu queria ter registrado aqui e deixei passar. Talvez pela preguiça de abrir o computador... preguiça, não. Falta de vontade. Falta de vontade de escrever também, as vezes a simples vontade de registrar em prol do futuro não é suficiente. 

Hoje foi o primeiro dia desse isolamento que me senti desanimada, não fiz nada o dia inteiro, à noite fiz pouco mais que trinta minutos de exercício para não deixar passar o dia em branco, tomei minhas vitaminas e passei argila verde no rosto. Na verdade isso foi ontem, dia 19, mas são 1:40 da manhã e eu ainda não dormi, pra mim ainda to no mesmo dia. Também organizei algumas perguntas que me mandaram no Instagram, pra fazer um vídeo respondendo-as. Não sei por onde começar. 

Bom, não ha muito o que dizer sobre o dia que passei cabisbaixa. Não tem bem um motivo especial, mas ultimamente tenho me sentido um tanto saturada de acordar, todo dia, para a mesma vida. Acordo, faço meu alongamento matinal, as vezes já meto o exercício ou as vezes jogo pro final do dia, tento fazer algo ou simplesmente passo o dia no celular, até que a energia para fazer algo venha no final da tarde quando olho a luz bonita do final da tarde e sinto vontade de andar de bicicleta para respirar esse ar de esperança que esse horário me passa – e que não me é possível pois desde o dia sete de maio Belém está em lockdown, outro dia pedalei até a farmácia e voltei. 

Mas, como estava dizendo, hoje me permiti não fazer nada. É isso. Não lembro de ter me sentido dessa forma em algum outro dia desde que cheguei em Belém, então decidi registrar. Minha menstruação veio ontem (ou antes de ontem, 18) e eu não lembro de ter me sentido mal nos outros dias, então acho que pode ser tpm. Da metade do dia pra noite fiquei mais triste, me estressei com a mamãe e chorei, em algum momento dei uma cochiladinha rápida, acordei com vontade de chorar sem motivo. É isso. 

Honestamente, o Brasil ta uma merda. Eu não sei se eu preciso falar muito sobre isso, ainda que precisasse não o faria, porque imagino que não vá ser difícil lembrar que o Brasil estava uma merda à essa altura da vida se ver isso no futuro. Mas, para constar nos registros, o Brasil ta uma merda. O mais agoniante é a falta de perspectiva de melhora, quando sequer começamos a evoluir de fato. Caímos bem fundo em um poço, a subida vai ser trabalhosa e não sei quanto tempo vai durar. É inevitável não sentir uma inveja leve ao ver pessoas voltando, aos poucos, as suas vidas normais em outros países, como na França, na Inglaterra, enquanto estamos aqui sem esperanças. Pensar se eu morasse em Taiwan eu não estava trancada em casa. Mas ai eu já to viajando demais também, nunca nem pensei em morar em Taiwan antes. 

É interessante ver como, dessa perspectiva, o conceito de "qualidade de moradia" (não sei bem se essa é a melhor forma de dizer) ou alguns desejos perdem sentido. De nada adianta morar em um apartamento no centro de São Paulo se não se pode botar o pé na rua, não adianta estar na capital econômica do país se não se pode desfrutar dela. Também não é muito melhor morar em um apartamento no centro de Belém só porque da para enxergar o rio pela janela da cozinha. Uma hora dessas, sorte é de quem tem um igarapé no fundo de casa, que mora numa ilhazinha e pode desfrutar da natureza... as definições de qualidade de vida foram atualizadas. 

Conversando com a mamãe, ela concluiu e eu concordei, que também não faz muito sentido ficar desejando viajar pra Itália, sentir saudade de Buenos Aires, se do que sentimos falta nem existe mais. Nada existe mais... o mundo, a vida, sabe. Quando estava em São Paulo costumava dizer que me sentia suspensa no espaço, não pertencia ali, mas voltar para Belém também não faria sentido. Hoje, me sinto suspensa também no tempo. Não sei quanto tempo faz da última vez que sai com amigos, nem parece que foi esse ano, assim como também não consigo visualizar o futuro, sequer faço planos. Estou oficialmente flutuando em minha existência. 

19 de Maio de 2020 
1.179 mortos em 24h
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quarta-feira, 6 de maio de 2020